Ler é o melhor insight

Ler um livro é um projecto de vida, actualmente apenas ao alcance de um intelectual desactualizado. Se num texto como este podemos perder escassos minutos a ser incomodados por um ignorante qualquer, já um livro exige de nós o tempo, a abertura intelectual e, se tivermos dificuldades de concentração como moi même, motivação para nos deslocarmos até algum espaço silencioso ou sair de casa e dirigirmo-nos a uma biblioteca.

Os bons livros e textos são como as boas ideias e pessoas que encontramos nas redes: são pontes. Pontes assentes em ideias que as tornem mais seguras, claras e desempoeiradas, que nos apontem um caminho para atravessar rios e mares tempestuosos que acabam sempre por desembocar em territórios desconhecidos, e que ao pisá-los se podem transformar em terra firme.

Um livro por ano, 50 minutos de redes por dia

De acordo com uma notícia recente badalada pela Rádio Renascença, os portugueses leem em média apenas um livro por ano, mas optam por gastar 50 minutos do seu precioso tempo diário (já tiveram o vosso memento mori?) pelas redes sociais. Percebemos então que os portugueses leem pouco e preferem espraiar-se nas redes. A combinação destes dois factos elucida-nos quanto a uma vivência digital na qual a maioria dos utilizadores são meros consumidores passivos de posts com uma pobre capacidade crítica.

No último fim‑de‑semana pass(e)ei pela cidade invicta, aquela povoada pelas gentes que aquecem o norte, e, como não poderia deixar de ser, visitei a camaleónica livraria Lello. Entre as escolhas que os cinco euros do voucher de entrada turística me obrigavam a fazer, deparei-me com o cenário dantesco das selfies, dos olhos apontados ao peito e do total desinteresse pelas folhas que, por ali, perpetuam a história da Humanidade. Tantas razões para a sedução ignoradas, pensei. Mesmo para quem não queira gastar sequer um euro no prazeroso acto de folhear um livro, há por estes dias na Internet vários sítios onde encontrar livros inteiramente gratuitos e legais. No excuses!

 

Ler um livro é um projecto de vida

Os livros, quais velhos calhamaços, não têm relação alguma com a Internet, dizem-nos, mas numa primeira análise, quem não lê encontra-se mais despreparado para interpretar o mundo digital. Possíveis leitores transformados em apáticos fruidores de posts apresentados por algoritmos que lhes massagem a aprendizagem selectiva, servem apenas para solidificar as suas convicções e serão sempre combustível para a disseminação da desinformação.

As fake news e o clickbait só serão virulentos se existir falta de preparação das pessoas para distinguir entre informação baseada em investigação jornalística, resultante de processos como o fact-checking e triangulação de perspectivas, e os sites que produzem a ritmo alucinante contra-informação para alimentar apenas interesses financeiros, estratégicos e políticos.

Ler um livro é um projecto de vida, actualmente apenas ao alcance de um intelectual desactualizado. Se num texto como este podemos perder escassos minutos a ser incomodados por um ignorante qualquer, já um livro exige de nós o tempo, a abertura intelectual e, se tivermos dificuldades de concentração como moi même, motivação para nos deslocarmos até algum espaço silencioso ou sair de casa e dirigirmo-nos a uma biblioteca.

Este voluntário virar de costas ao imediatismo das redes torna o nosso convívio com elas mais maduro, consciente e prazeroso. Abramos então um livro, junto dos seus melhores companheiros, uma garrafa e o amnésico relógio. Após ler Kant, se nos depararmos com um tweet da Joana Rita Sousa, o mergulho digital até poderá ser mais refrescante e profundo.

Porquê? Bem, porque poderão ter mais instrumentos para compreender e interagir, maior ponderação no tempo de resposta e talvez até se torne um imperativo categórico, sob a perspectiva ética dos efeitos na nossa sociedade, dizer que medirão cada caracter escrito de forma mais meticulosa.

 

Ler para criar

Também os criadores de conteúdo que leem livros estão mais bem preparados e mais próximos de formar comunidades mais criativas, envolventes e transparentes. Através da capacidade que acumulamos com um livro, acabamos por largar o concreto da vista-curta, pululamos pelo abstracto e isso torna-nos mais originais quando temos de desenhar conteúdo e estratégias para marcas. Abrimos portas, habitamos travessas e na esplanada digital começamos a conhecer realidades até aí escondidas, que nos servem riqueza.

O domínio e constante familiaridade que se adquire com as palavras ajuda também ao trabalho de copywriting. Ao conhecer novas personagens, realidades e contextos ganhamos a capacidade de criar narrativas menos óbvias e nos colocarmos nos sapatos do outro, e isto é essencial para conseguirmos conhecer e compreender as pessoas para as quais queremos comunicar envolvendo-as. Assim seremos capazes de criar peças mais adequadas e relevantes para o nosso target.

Comunicar é conhecer o outro. Desta forma, também ganhamos a capacidade de percepcionar diferentes marcas e suas diferenças em relação à concorrência, de forma a escolhermos o tom mais assertivo e o posicionamento que vamos adaptar na comunicação da insígnia.

As técnicas e os botões, os canais mais apropriados e os vilões, a monitorização de resultados ou a estratégia digital são as aprendizagens que se tomam como obrigatórias mas nunca ouvimos o melhor conselho para lidar com toda a bebedeira de conteúdos nas redes: ler.

 

Ler para pensar

Ler está intrinsecamente ligado a pensar. Parar para pensar. O leitor é um curioso pensador de ideias. Os que se permitem demorar no pensamento procuram espaços digitais onde possam partilhar e explorar as suas ideias urgentes e onde os debates não sejam empobrecidos por brutos argumentos ad hominem mas por palavras cuidadas, interessantes e ricas.

É possível encontrar comunidades e marcas que nos ajudem a explorar novos universos e a viajar sentados. Tal como o livro, um post serve para nos ligarmos ao outro. Os bons livros e textos são como as boas ideias e pessoas que encontramos nas redes: são pontes. Pontes assentes em ideias que as tornem mais seguras, claras e desempoeiradas, que nos apontem um caminho para atravessar rios e mares tempestuosos que acabam sempre por desembocar em territórios desconhecidos, e que ao pisá-los se podem transformar em terra firme.

Como estas concretas palavras que sustentam uma dessas pontes que pude construir nas redes. Poder conhecer, conversar e escrever para a #joanadotwitter 😊

 

Quem é o Francisco? 

O Francisco é licenciado em Publicidade, trabalha em audiovisual e social media e está sempre a viajar por entre cultura, futebol e filosofia. Autor do podcast Dedo no Ar.