A Exigência da Hiperindividualização numa era de Privacidade por Defeito

Para se conseguir obter a tal hiperindividualização, necessitamos de saber controlar a tecnologia que permitirá comunicar com muitos, mas num formato one-to-one. Necessitamos de controlar a componente legal de forma a fazermos tudo de acordo com os trâmites legais necessários

É precisamente por isso que um bom profissional de marketing deve ser valorizado pela marca que o contrata. Mas igualmente ficar ciente que um profissional de marketing não pode fazer tudo de forma excelente em todos os aspetos. O marketer, para todos os efeitos, é humano. Capacite o seu departamento de marketing com profissionais de todas as valências e conhecimentos de forma a ter uma equipa coesa e multidisciplinar.

À medida que comecei a escrever este texto, lembrei-me nitidamente de que em 1998 eu estava num escritório de Alverca do Ribatejo a olhar para uma espécie de bola de cristal. Não era mesmo uma bola, nem era de cristal. Era um monitor SVGA e estava ligado a um computador que por sua vez estava ligado a uma linha “mágica” que fazia um barulho descomunal quando a obrigávamos a conectar-se a um mundo virtual chamado Internet.

Foi através de uma ligação “dial-up” (meninos e meninas, vão “Googlar” o que raio isso quer dizer, por favor), que tive a primeira noção de que o modelo de negócio que envolvia marketing na internet e originava mais receita e aprovação geral, era receber (imagine-se!) informação relevante para cada uma delas. Parece senso comum, mas ainda hoje, vinte e dois anos depois, a maioria da comunicação e publicidade é feita sob base de clickbait, interrupção e spam.

 

Conceito Disruptivo – Transmitir APENAS Conteúdo Relevante

 

Em 1998, ao fim de uma exaustiva investigação sobre os modelos de marketing que cresciam de forma mais sustentada, num mercado muito mais maduro, como o dos Estados Unidos da América, constatámos que era o Permission Email Marketing. E aqui reforço o termo PERMISSÃO.

Não apenas porque obviamente necessitaríamos da autorização prévia das pessoas, mas porque para ter essa permissão garantida, teríamos que lhes enviar informação relevante.

 

A única forma de entregar informação relevante a milhões de pessoas que tivemos a sorte de conseguir subscrever é se a personalizarmos o máximo possível. E como podemos personalizar algo que é enviado para milhões de pessoas num curto espaço de tempo? Fazendo o mesmo que fazemos hoje em dia: segmentamos e criamos regras de distribuição de conteúdo.

 

O célebre IF THEN ELSE das linguagens de programação. Se a pessoa tem este [interesse] e vive no distrito de [Lisboa] e tem 3 filhos [RECEBE] a mensagem sobre [ASSUNTO] que lhe interessa. Caso não seja, não lhe é enviado nada. Simples, verdade? Contudo, ainda hoje parece ciência aerospacial, apesar da tecnologia o poder fazer desde 1998 porque o faço desde então. Sim, eu sei que existe até antes disso. Mas sou um tipo novo e não me lembro de nada antes desta data. Demasiadas raves, talvez.

O que é certo é que me orgulho de ter tido subscritores que ao fim de mais de 6 anos a receber os meus emails, eles abriam, clicavam e tomavam uma ação que eles deveriam considerar interessante para os mesmos. Eles compravam coisas que eu lhes recomendava através dos emails personalizados. Porquê? Talvez porque lhes enviava algo sobre temas que já me tinham dito que lhes interessava. Bizarro, verdade?

 

A Exigência da Hiperindividualização numa era de Privacidade por Defeito 1

Eu Quero, Mas NÃO Deixo

 

Conforme já te deves ter dado conta, os anos foram passando. Já não somos as mesmas pessoas que fomos em 1998. Já tinhas nascido, sequer? Oh, eu sabia que não devia ter feito esta pergunta… Mas enfim, acho que apanhaste a ideia. O fluxo de informação e a forma como vamos nos relacionando em sociedade vai-se modificando.

Hoje em dia, o poder está no consumidor. Hurraah!! Já não levamos de ânimo leve que o Big Brother continue a nos vigiar e possa usar e abusar da nossa complacência para nos induzir a comprar coisas que nem necessitamos. Sim, estou a falar daquele unicórnio rosa para colocar na piscina que já nem tenho.

A forma como somos monitorados e analisados por algoritmos que distribuem a publicidade de forma programática permite um nível altíssimo de personalização dos anúncios.

Mas aqui entramos no paradigma do ser humano mais complexo.

É precisamente esta personalização e relevância de conteúdos que almejamos. Contudo, a ideia de que alguém esteja a usar isso para nos induzir a comprar algo, parecerá demasiado intrusivo na nossa privacidade. Pior, o mau nome e imagem que temos desta forma de publicidade programática que alia o histórico de navegação e interesses é providenciado por campanhas que não são personalizadas. São o que chamo de “campanhas preguiçosas”, efetuadas por marketers sem conhecimento ou simplesmente porque querem trabalhar como antigamente em que atingiam milhares de pessoas com uma só comunicação.

 

As Exigências Feitas ao Marketer de Hoje

 

As principais causas para esta necessidade de que os Marketers têm de originar mais resultados com os seus recursos, prende-se com as pressões a que estão sujeitos interna e externamente das suas empresas. Nunca o profissional de marketing esteve tão pressionado como hoje.

O marketing sempre foi o primeiro a sofrer cortes quando as coisas não correm bem nas empresas e também nunca teve um peso considerável nos boards das mesmas.

Contudo, desde as últimas crises e a grande adaptação do marketing ao canal digital como tendo cada vez maior importância na sua estratégia global, trouxe responsabilidades acrescidas, sem que com isso tenha ganho maior poder.

Hoje em dia, o marketer tem que ser um autêntico “canivete suíço” com competências de marketing, comunicação, fiscal, financeiro, legal, ético e tecnológico. Se formos definir as competências de um profissional de marketing de topo neste momento e concebêssemos um curso superior que lhe aportasse os conhecimentos de tudo o que necessita, passaria praticamente o resto da vida na universidade e mesmo assim sem previsão de alguma vez as aplicar.

Porque é insano e uma verdadeira corrida para o fundo, se acreditamos que um profissional de marketing terá que ser exímio em todas estas competências. Veja-se esta citação de Simon Sinek que resume bem o que quero dizer:

“We can’t all be good at everything. This is partly the logic behind having a team in the first place, so each role can be filled with the person best suited for that role and together, every job and every strength is covered.” – Simon Sinek

Desta ideia de que o marketer tem que ser bom em todas estas tarefas é que depois resulta em iniciativas que provocam reações por parte da audiência. Por exemplo, uma comoção geral para que se mude a forma como se têm feito as coisas com completa impunidade.

 

As Leis são como um Petroleiro

 

Quando a audiência se insurge e tem suficiente quórum, os governantes e legisladores, sempre atentos, tentam elaborar leis que possam, de alguma forma, regular o mercado. As suas intenções são boas e visam ditar limites que, na verdade, nunca deveriam ter sido ultrapassados desde o início. O problema é que as leis são como um petroleiro. É um monstro pesado e nada ágil de manobrar. Como em tudo o que legisladores sem conhecimento de causa tentam abordar, acabam por pecar por excesso ou falta em determinados pontos dessa mesma lei.

A RGPD é disso um exemplo. Foi concebida de acordo com um desejo da população em proteger a forma como as marcas e entidades têm acesso ou geram os seus dados pessoais e privados. Contudo, alguns pontos da lei são desfasados, ambíguos e alvo de interpretações por várias entidades responsáveis.

Mas os marketers apenas se podem queixar de si mesmos pela forma como atuaram até aqui na displicência como trataram os dados da sua audiência em prol dos seus objetivos.

 

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Hiperindividualização numa Era de Privacidade

 

Estamos perante um paradoxo de difícil resolução. Por um lado, temos uma audiência cada vez mais exigente na forma como desejam ser tratados pelas marcas. Por outro, por defeito, as formas de monitorar e poder personalizar essa oferta está pendente de uma série de permissões e bloqueios que nem sempre a audiência está disposta a ceder.

É aqui que decido voltar às minhas origens. Considero que a solução está onde sempre esteve. Pedir PERMISSÃO para entregar informação RELEVANTE. Para tal, as marcas têm que deixar claro para o que estão a pedir permissão e o que vão comunicar a esta pessoa em particular. MAS ATENÇÃO: As marcas têm de cumprir com o prometido.

Para cumprirem com estes critérios, as marcas têm que dominar completamente todos os campos de atuação na forma como comunicam com a sua audiência. Para isso, terão que se capacitar de profissionais que sejam excelentes na sua valência de atividade. Ter um “canivete suíço” apenas faz sentido para uma marca com poucos recursos e que não tem a possibilidade de contratar uma equipa. E mesmo assim, devia contabilizar a subcontratação para ter a certeza que cobre todos os aspetos da forma como interage com os seus potenciais e atuais clientes.

Para serem eficazes, os departamentos de marketing das marcas estão a equipar-se tal como se fosse uma agência. Daí a nova tendência de ter equipas in-house precisamente para ter essa capacidade internamente e sem depender de terceiros. Mais importante ainda, permite uma visão de estratégia de comunicação a longo prazo, algo que com contratos periódicos não seria possível dada a eventual mudança de estratégia mediante a agência que contrata.

Contudo, ter a visão externa de uma agência que aporta ideias fora do contexto in-house é vital para a vitalidade da marca e sua importância ao longo do tempo. Um processo de auditoria externa de métricas, conceitos e estruturas é igualmente relevante para manter uma linha de comunicação eficaz.

Obviamente que sempre vamos ter duas realidades distintas. As marcas que têm budget para o fazer e as que não o têm. As que continuam apostadas em diminuir a importância do marketing e as que realmente apostam neste papel para alcançar crescimento contínuo da sua marca.

Para se conseguir obter a tal hiperindividualização, necessitamos de saber controlar a tecnologia que permitirá comunicar com muitos, mas num formato one-to-one. Necessitamos de controlar a componente legal de forma a fazermos tudo de acordo com os trâmites legais necessários. A vertente “propósito da marca e sustentabilidade” tem que estar imbuída de toda a comunicação que efetua, pois se é algo que a marca realmente está empenhada em efetuar, isso deve transparecer tanto para fora como para dentro. As vendas têm que ser claramente uma prioridade e isso terá que ser considerado na forma como estabelece essa estratégia. O controlo orçamental e económico de toda a operação teria que ser obrigação.

Para efeitos práticos, representa que para se ter a capacidade de tratar o João Pereira da mesma forma em vários ambientes distintos e saber que gosta da categoria X dos produtos ou serviços que proporciona, tem que ter um domínio completo sobre as tecnologias e a estratégia de comunicação de forma segura e controlada. Parece complicado? De facto, assim é. Mas não é impossível para quem tem esse tipo de conhecimento.

É precisamente por isso que um bom profissional de marketing deve ser valorizado pela marca que o contrata. Mas igualmente ficar ciente que um profissional de marketing não pode fazer tudo de forma excelente em todos os aspetos. O marketer, para todos os efeitos, é humano. Capacite o seu departamento de marketing com profissionais de todas as valências e conhecimentos de forma a ter uma equipa coesa e multidisciplinar.

É possível comunicar com hiperindividualização e mantendo a privacidade e proteção dos dados pessoais. Para tal, apenas tem de seguir as boas práticas neste sentido. Num próximo artigo poderei explicar com mais detalhe como o fazer, mas como em tudo, cada caso é um caso.

E no teu caso? Queres comentar e partilhar a tua experiência neste tipo de caso? Caso queiras trocar impressões tens os meus contactos no Twitter, LinkedIn e Facebook. Estou sempre disponível para falar de marketing. 😉

 

Quem é o Rui?

O Rui Nunes é um apaixonado pelo Marketing. Adora o que faz e sente-se um afortunado por lhe pagarem para fazer algo que faria de graça. Partilhar o que sabe com a comunidade que também tanto lhe deu através da web e nos diversos cursos que leciona. Publica no site oficial, no seu blog de marketing e podem encontrá-lo também no Twitter, no LinkedIn, no Instagram e no Facebook. Ainda está a tentar apanhar o jeito ao TikTok.