a nova normalidade

Bruno Nogueira não apareceu do nada, assim como o tweet da Oreo não apareceu do nada. se no caso da Oreo temos a assinalar que não se tratou simplesmente de um "tweet que correu bem", mas sim do trabalho criativo de uma equipa que trabalhou durante muitas horas para acompanhar um evento - coisa que também custa dinheiro, é bom lembrar! talvez tivesse sido mais barata a opção de ter a equipa em casa, com as famílias e promover um tweet, tal como defende Daykin no artigo de linkedin.

nova_normalidade

ao invés de alinharmos nos manuais e artigos com regras e leis da nova normalidade, no mundo do marketing, há que parar para pensar. analisar esses artigos e leis novas, que os profetas estão a desenhar e que, frequentemente, são tão profundas e plenas de conteúdo como o gerador de lero lero.

hey, é possível ouvir este artigo 👂🏽

 

“nova normalidade” ou “novo normal”.

certamente já se deparou com uma destas expressões. a pandemia trouxe novos hábitos, novas regras e fez-nos adoptar novas palavras, como desconfinamento. (já vos aconteceu escrever desconfinar e o corrector automático insistir em mudar para desconfiar? desconfio que sim!)

no dia 27 de maio a Do It On organizou uma conversa ao final do dia sobre a nova normalidade. este era o gancho do diálogo onde cada um dos convidados tinha 5 minutos para falar e partilhar os seus pensamentos sobre a nova normalidade.

a conversa foi rica e abordou temas como a relação das pessoas com o teletrabalho e com a formação à distância, falámos de aspectos relacionados com a ciber segurança, e até mesmo de design. se tiver curiosidade em saber mais sobre a conversa, pode sempre espreitar o twitter moments.

 

a nova normalidade 1

o que é a nova normalidade?

A linguagem fala para além dos factos, refere sentidos. O seu elemento é a vida.

(António de Castro Caeiro)

 

como filósofa que sou, esperava que algum dos convidados avançasse com uma proposta de novo normal: afinal, o que queremos dizer com isto? que sentido tem a nova normalidade? que significado? e, sobretudo, que vida é reflectida por esta expressão? queremos voltar aos hábitos a.C. (antes da #covid19pt)? queremos adaptar-nos a uma realidade que hoje é X e manhã pode ser Y? queremos fazer tábua rasa de algumas coisas e começar de novo? queremos engolir lero lero?

o tweet oreo – quem se lembra?

o Marco Almeida diz que “nova normalidade” soa a título de música do Dino D’Santiago, mas em mau. e eu concordo com o Marco. esta nova expressão não serve e pode muito bem ser uma oportunidade para criar todo um mundo de bullshit talk à volta dela.

é disso mesmo que fala Mark Ritson, no artigo The ‘new normal’ is just another bullshit line marketers have swallowed. neste texto, Mark viaja até ao ano de 2013 e ao tweet da Oreo. lembra-se? aquele. vá lá. o tweet da oreo, muito famoso – e do qual poucos de nós se lembram:

Jerry Daykin esteve envolvido neste Oreo Tweet – ou neste tweet de ouro, como alguns defendem – e assume,  num artigo que pode ser lido no linkedin, que a indústria interpretou esta acção como the next best thing. em Portugal, esta atitude é conhecida como o briefing do “faz-me um viral”:

It created a feverish and exhausting mindset that content had to be pumped out at the last minute, but it was in fact the culmination of a PRINT campaign with executions which could easily be planned weeks or months in advance. If your brand has a relevant role to play in a moment, and a positioning or creative moment that lends itself to it, then fair enough…. but the lesson should never have been that every brand needs to randomly hijack every cultural moment.

You can get very lucky and have moderate reach out of a viral tweet like this, or you can look like the dozens of brands the following year whose desperate reactive attempts disappeared without a trace amongst the noise of the actual game itself. It is actually INSANE that we allow an industry to still exist chasing viral success and organic reach when it is such a long shot and there are such easy to implement alternatives. (Jerry Daykin)

 

como é que o bicho mexe, na nova normalidade?

em Portugal viveu-se um fenómeno único durante o período de confinamento derivado das medidas de saúde pública em torno da #covid19pt: os lives do Bruno Nogueira.  estes atingiram número incríveis, dignos de registo para mais tarde recordar. mas nem só de números, puros e duros, viveu este “Como é que o bicho mexe”, tal como nos conta Paulo Esteves Nunes, num artigo publicado na Meios & Publicidade:

Vivemos um tempo em que o projecto preparado, ensaiado e distante do espectador está gasto e saturado. A produção de um produto criativo afasta mais do que aproxima o público, e isso tem sido bem vincado pelo crescimento do digital e das plataformas e pelo reduzir de números da televisão.

(…)

Cabia tudo nestes directos. Todos os dias fomos surpreendidos. E isso criou uma sensação de que não podíamos perder nenhum directo. Fidelizou o público pela imprevisibilidade.

Bruno Nogueira não apareceu do nada, assim como o tweet da Oreo não apareceu do nada. se no caso da Oreo temos a assinalar que não se tratou simplesmente de um “tweet que correu bem”, mas sim do trabalho criativo de uma equipa que acompanhou durante muitas horas um evento – coisa que também custa dinheiro, é bom lembrar! talvez tivesse sido mais barata a opção de ter a equipa em casa, com as famílias e simplesmente criar e promover um tweet, tal como defende Daykin no artigo de linkedin.

[contexto, comunidade, conteúdo e consistência: The Fab Four!]

o perigo de andarmos todos à procura do viral e da rede que está a bombar, é que números como o de Bruno Nogueira ou de Charli D’Amelio, nascem de um alinhamento de autenticidade e de connect, give & share que nem sempre é consciente do que pode vir a alcançar. Bruno e Charli “limitam-se” a partilhar com o mundo o que sabem fazer melhor: o Bruno é actor e humorista, a Charli dança desde os 3 anos e não demora a eternidade que eu demoro a decorar uma dança do tiktok (e fá-lo com muita mais graça do que eu!).

@joanarssousa

#joanadotwitternotiktok

♬ Sunday Best x Dont Start Now – goalsounds

 

 

Ritson finaliza, assim, o seu artigo:

Marketers should have been more wary of all those headlines telling us that a stupid little tweet was the way of the future. They should now be equally alert to false prophets predicting the world of marketing has changed forever.

alerta lero lero

como é que o bicho mexe, na nova normalidade? não mexe, quer dizer, aquele bicho não mexe mais. foi um momento único e irrepetível, que marcou a vida dos muitos milhares de pessoas que acompanharam os directos.

bem vistas as coisas, isso da nova normalidade é uma expressão que sofre do mesmo mal da palavra paradigma: serve um bocadinho para tudo e para nada.

regressemos ao artigo de Ritson:

As I write this, a small army of arsehats with their headphones in their ears are posting videos of themselves in their bedsits. They are predicting the end of consumer reality as we know it and the arrival of five, seven, even 12 laws for the new normal that they, and only they, can foresee. It all makes for great headlines, thousands of clicks and splendid book sales. But that does not make any of it accurate or worthwhile.

ao invés de alinharmos nos manuais e artigos com regras e leis da nova normalidade, no mundo do marketing, há que parar para pensar. analisar esses artigos e leis novas, que os profetas estão a desenhar e que, frequentemente, são tão profundas e plenas de conteúdo como o gerador de lero lero:

a nova normalidade 2

 

sem bullshit talk, há que olhar para o que está a acontecer, continuar a ouvir as comunidades e lembrar que a humanidade não gosta muito de mudanças.

as mudanças que o contexto pandémico nos trouxe foram forçadas e não tivemos como recusar, não tivemos sequer muito tempo para nos prepararmos para o que nos trouxeram essas mudanças. talvez por isso estejamos todos tão desejosos de “voltar ao que era dantes”.

 

um apontamento final sobre a vida

a nova normalidade não é uma coisa que há-de vir. o normal que vivemos hoje é o mundo a adaptar-se a um problema de saúde pública e toda uma humanidade que quer “voltar ao que era dantes”, ignorando que não há forma de regresso ao que era dantes, pois o mundo deixou de ser o que era.

 

há que seguir em frente, em direcção aos dias novos que nos aguardam.

como vão ser? não sei. vou dar o meu melhor para me manter saudável de forma a descobrir esses novos dias.