Recebe a bola e segue jogo: o futebol no Twitter

O futebol é como a vida. Dentro ou fora da rede social. Temos que estar sempre preparados para receber a bola como ela pede para ser recebida. E segue jogo.

O Twitter continua a ser a melhor ferramenta para a criação de comunidades de discussão do futebol - a minha rede preferida e aquela onde tenho encontrado mais ligações com gente que, de forma franca, me abre bastante as vistas para o que acontece no jogo. Mas também existe em várias outras dimensões, com a criação de ruído, de falsas polémicas, de confusão entre o que é informação oficial e informação “criativa”.

Não serei eu a pessoa ideal para fazer uma historiografia da presença do futebol no Twitter. Mas creio não estar muito longe da verdade se disser que, nesta rede, foi a discussão sobre o jogo aquela que chegou primeiro. A natureza instantânea do tweet  vive na aproximação à ideia do relato do jogo, passo a passo, com a possibilidade de lançar uma ideia sobre o que acontece no exato momento em que ele acontece, chegando aos olhos dos seguidores que estão a ver esse mesmo jogo. O jogo desenrola-se, assim, numa dupla dimensão e o utilizador do Twitter encontra-se numa posição semelhante à do comentador da rádio ou televisão. Não relata acontecimentos, mas comenta o que acontece, escolhendo e isolando aquilo que considera mais importante no encontro.

 

O que está a acontecer [no jogo]?

Os utilizadores do Twitter dedicavam-se à análise do jogo porque seria aquela dimensão do mesmo que vivia maior carência de espaços para se desenvolver. Nos blogues já se haviam encontrado os espaços para análises mais demoradas ou para o desenvolvimento de projetos que eram inovadores em relação aos meios de comunicação instituídos. O Facebook já se perdera para uma dimensão mais pessoal (base de discussão entre amigos, mas entre desconhecidos, um excelente rastilho para o desastre). O Twitter viveu assim alguns anos de glória que, creio, encontrarão semelhantes entendimentos noutras áreas de interesse.

 

Da massificação à necessidade de clareza

O panorama transfigurou-se com a massificação do Twitter. Por um lado, numa visão institucional, onde clubes e atletas participam na rede criando uma espécie de hierarquização do discurso. É uma transformação brutal da natureza da rede social. Em lugar do diálogo, é promovido a transmissão de informação com uma via de volta recorrentemente fechada. Essa transformação acabou por evoluir para os restantes utilizadores da rede. Deixou de existir uma rede onde todos atuam em pé de igualdade, para se passar a catalogar utilizadores consoante o seu posicionamento público fora da rede. À presença institucional dos clubes e dos jogadores, somaram-se muitas presenças, igualmente institucionais, de outras figuras complementares: jornalistas, comentadores, adeptos “famosos”. À institucionalização da rede corresponde, também, o aumento do perfil anónimo, bastantes vezes utilizado por figuras institucionais (sim, sabemos quem vocês são) para participar “livremente” na “discussão”.

Ora, o problema é que a liberdade da discussão fica manchada pela subversão do objetivo inicial da rede. O Twitter continua a ser a melhor ferramenta para a criação de comunidades de discussão do futebol – a minha rede preferida e aquela onde tenho encontrado mais ligações com gente que, de forma franca, me abre bastante as vistas para o que acontece no jogo. Mas também existe em várias outras dimensões, com a criação de ruído, de falsas polémicas, de confusão entre o que é informação oficial e informação “criativa”. A comercialização do Twitter também acaba por contribuir para este redimensionar da estrutura da rede. Pode não haver perfis com ganhos diretos através da sua ação, mas os ganhos indiretos são notórios. Uma coisa que temos que aprender, ao utilizar a rede (como ao viver a vida), é a saber ligar os pontos. Quem elogia quem, elogia porquê e com que interesses. Não se trata de criar nuvens de desconfiança. Trata-se de clarificar os caminhos que cada um percorre.

 

Pontapé na bola

Poderá este crescimento e multiplicação de dimensões na rede social tornar o Twitter uma rede menos apetecível? Como um utilizador que se transformou num perfil reconhecido na esfera pública, sei como o meu caminho na rede se tornou, várias vezes, bem mais trabalhoso do que desejaria – sim, há dias maus. Mas esse crescimento é também o grande desafio que a vida nos coloca, a contínua procura de espaços isolados para o desenvolvimento de naturezas de perfeição soa-me a uma higienização da rede bem menos desejável. Ao mesmo tempo, entender como progride uma boa ideia no confronto com a dimensão humana que a rede social sempre tem, é um ganho que vou adquirindo para os desafios que se seguem. O futebol é como a vida. Dentro ou fora da rede social. Temos que estar sempre preparados para receber a bola como ela pede para ser recebida. E segue jogo.

 

 

Quem é o Luís Cristóvão? 

O Luís tem 40 anos e é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas. Passou pelos programas de mestrado em Teoria da Literatura e em Treino Desportivo sem apresentar tese. Fala de futebol na Eleven Sports e na Antena 1.