O potencial de mercado do podcast em Portugal

Dados do Digital News Report de 2019, com base em dois mil inquéritos, mostram que 34% dos inquiridos em Portugal tinham ouvido um podcast no mês anterior ao estudo, uma das mais elevadas taxas entre os países abordados no relatório. Este número deve chamar-nos à atenção para o potencial, ainda pouco reconhecido, destes conteúdos que conseguem atingir nichos potencialmente interessantes e com audiências bastante fidelizadas.

Quando falamos de podcast como conteúdo estamos a falar de programas pensados para que primeira publicação seja nesta tecnologia e não que usa a plataforma como repositório de conteúdos on-demand. Ainda assim é certo rádio acabou também por conseguir “monopolizar” grande parte da tecnologia de podcast, distribuindo através dela os seus conteúdos e ficando com uma grande fatia de audiências.

“Toda a gente” tem um podcast

Há cerca de quatro meses li, num portal de informação brasileiro, um artigo com o título:

“Com uma audiência fiel, os podcasters tornaram-se nos novos youtubers”.

Hoje é comum por cá dizer que “toda a gente” tem um podcast e que se trata de um “formato da moda”. Na verdade, podemos considerar este um fenómeno mediático, mas a realidade do podcasting em Portugal ainda está distante da generalidade das pessoas e, de facto, não dá dinheiro como o youtube dá.

Na área do áudio, o surgimento, no início do século, dos reprodutores portáteis (como o iPod a ser o melhor exemplo) e, mais tarde, dos smartphones possibilitou o exponencial aumento no número de produtores e consumidores de podcasts (conteúdos em áudio pensados e distribuídos através da internet), mas o fenómeno só teve uma massificação mais de uma década depois.

 

Formato e audiência em Portugal

Esta “revolução do som”, que investigadores como Richard Berry (2006) descrevem, surge num contexto de diferenciação da própria rádio, o “parente” mais próximo. No entanto, os conteúdos produzidos em Portugal continuam a basear-se em conceitos básicos e repetidos (sejam entrevistas ou as conversas sobre tudo e sobre nada), de edição simples (ou inexistente), e que muitas das vezes são feitas sem qualquer guião ou estrutura orientadora.

Apesar de existir uma grande vaga de produção nos últimos dois anos e meio, os formatos com mais audiência acabam por ser produzidos por figuras públicas, não havendo, no geral, audiências relevantes fora desses nichos. São também as figuras públicas que ficam com a quase totalidade do investimento comercial. Tal facto pode ser explicado devido às grandes quantidades de público que migram com as figuras publicas de outras plataformas (como a TV, Youtube ou redes sociais), para os seus conteúdos distribuídos em podcast.

São também poucos os formatos que se destacam pela sua qualidade de produção no que toca a guião e sonoplastia. Especificamente sobre este tema são exemplos maiores em Portugal o “Hotel”, de Luís Franco Bastos (2019), e o “Histórias de Portugal de Saudade e Outras Coisas”, do 366 ideias.

Outra realidade é que uma boa parte dos formatos tendem a acabar ao fim de pouco tempo de existência, muitas das vezes sem aviso prévio, entre o décimo e o décimo quinto episódio em média. Tal deve-se à perda do entusiasmo inicial ou a um desfraldar das expectativas por parte de quem produz.

Esta falta de produção profissional entra num ciclo de “pescadinha de rabo na boca”: a inexistência de financiamento para os conteúdos leva a que a produção seja em geral pouco profissionalizada e esta falta de profissionalização leva a que não exista interesse do mercado comercial.

A não existência de conteúdos agregadores de grandes audiências, cuja principal referência internacional está no norte-americano Serial, leva a que o mercado publicitário português esteja ainda de costas voltadas para estes conteúdos. Os próprios dados de consumo, dúbias no geral, apresentam-se com uma das principais dificuldades para que os produtores tenham métricas fiáveis para apresentar ao mercado: cada plataformas têm os seus dados e há outras formas de consumo cujos dados escapam ao controlo.

 

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Podcast: tecnologia e conteúdo

Dados do Digital News Report de 2019, com base em dois mil inquéritos, mostram que 34% dos inquiridos em Portugal tinham ouvido um podcast no mês anterior ao estudo, uma das mais elevadas taxas entre os países abordados no relatório. Este número deve chamar-nos à atenção para o potencial, ainda pouco reconhecido, destes conteúdos que conseguem atingir nichos potencialmente interessantes e com audiências bastante fidelizadas.

É também importante fazer uma distinção entre dois conceitos que partilham o mesmo nome: o podcast como tecnologia não é o mesmo de falar em podcast como conteúdo.

Quando falamos de podcast como conteúdo estamos a falar de programas pensados para que primeira publicação seja nesta tecnologia e não que usa a plataforma como repositório de conteúdos on-demand. Ainda assim é certo rádio acabou também por conseguir “monopolizar” grande parte da tecnologia de podcast, distribuindo através dela os seus conteúdos e ficando com uma grande fatia de audiências.

Existe também o fenómeno potenciado por alguns podcasters que colocam o seu conteúdo no Youtube, “fugindo” à tecnologia de podcast. Tal facto deve-se à monetização que já existe na plataforma e pelo facto de esta ser uma plataforma já conhecida pela generalidade dos utilizadores, que a usa como motor de pesquisa de conteúdos audiovisuais.

O consumidor tipo de podcast tem formação superior, vive nas grandes cidades e ouve estes conteúdos nas deslocações entre casa e trabalho ou casa e universidade, sendo, no geral, pessoas pertencentes a targets com elevado interesse comercial.

A publicidade no mercado norte-americano valeu, em 2017, 314 milhões de dólares, prevendo-se que estes valores cheguem aos mil milhões em 2021. Não existem números concretos para a realidade portuguesa, mas o amadorismo de algumas produções e a falta de capacidade de monetização associada a um desconhecimento do valor dos formatos leva a que o investimento publicitário seja extremamente reduzido. O mercado da publicidade no podcasting português limita-se, por isso, aos formatos detidos por figuras públicas ou por alguns órgãos de comunicação social.

Também para as rádios a inclusão de publicidade nos conteúdos disponibilizados on-demand através da tecnologia de podcast se revela numa nova forma de financiar conteúdos que já tiveram emissão linear (broadcasting).

 

Financiamento de podcast

Estão identificadas quatro formas diferentes de financiar formatos que já estão a ser aplicados em Portugal: publicidade, merchandising, crowdfunding e eventos pagos. Existe também a possibilidade de criar conteúdos apoiados por um patrocinador que possibilita a existência desse determinado conteúdo, no entanto não está provado que qualquer um destes modelos possa financiar de forma exclusiva a existência de equipas de produção de conteúdos a tempo inteiro.

 

E o futuro?

O futuro deste formato está assim dependente da existência de conteúdos e os conteúdos vão sempre depender das audiências ou da boa vontade dos seus produtores. Se é certo que a maioria dos podcasters portugueses diz que cria conteúdos para “se divertir” (dados de um estudo próprio), também é certo que a desmotivação provocada pelo incumprimento de expectativas leva a que muitos produtores desistam ao fim de poucas semanas de produção.

 

Quem é o Ruben?

O Ruben Martins é jornalista no PÚBLICO, doutorando e investigador sobre podcasts no ISCTE-IUL. Podem conversar com o Ruben nesse nicho que é o twitter ou no linkedin.

 

Bibliografia:

  • Berry, R. (2006). Will the iPod Kill the Radio Star? Profiling Podcasting as Radio. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, 12(2), 143–162.
  • Cordeiro, P. (2012). Radio becoming r@dio: Convergence, interactivity and broadcasting trends in perspective. Participations – Journal of audience and reception studies vol. 2, pp. 492-510.
  • Portela, P. (2011). Rádio na Internet em Portugal – A abertura à participação num meio em mudança. Vila Nova de Famalicão, Edições Húmus.