era uma vez uma coisa chamada privacidade – edward snowden na web summit

para Snowden, não podemos confiar nas empresas, nem nas comunicações. o modelo precisa de ser revisto e é necessário pensar de forma inversa: as empresas têm de fazer com que não seja necessário confiar nelas.

o problema do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) começa na designação: falar em protecção implica que a sua recolha é feita de forma adequada. o problema não se encontra na protecção dos dados, mas sim na recolha dos mesmos. "everything leaks", sublinhou Snowden.

Edward Snowden. ok, mas antes um pouco de contexto: em 2018 tive oportunidade de escrever sobre a #websummit (*) na perspectiva perguntadeira de uma filósofa. continuo com essa missão, de fazer perguntas e de as partilhar convosco. aquela que é a quarta edição da conferência web summit, em terras lusas, acontece na Altice Arena e na FIL, em Lisboa, de 4 a 7 de Novembro.

 

primeiro que tudo, alguns números, uma portuguesa a abrir o palco e uma mão cheia de pitch

segundo dados da organização são esperados 70 469 participantes no evento, oriundos de 163 países diferentes. 46,3% são mulheres, mais 1,8% do que na edição de 2018. o evento está esgotado desde a passada sexta-feira e teve o seu momento de abertura com a presença de Edward Snowden, que fez a sua intervenção a partir da Rússia.

Luísa Lima foi a primeira pessoa a pisar o palco do Centre Stage, no arranque da web summit. seguiu-se outro português. alguns minutos depois, o André Jordão, da Barkyn, que apresentou uma solução que conjuga uma caixa e uma app e que nos ajuda a gerir a alimentação diária do nosso melhor amigo.

o palco da Altice Arena acolheu os pitch de startups das mais variadas áreas: cibersegurança, apoio ao cliente, saúde, trabalho remoto e recrutamento, actividade físicahigiene do sono, entre outros.

gostaria de destacar a apresentação de Kate Boyle, uma vez que se trata de um produto / serviço relacionado com educação: o Banjo Robinson.

 

ainda uma palavra de apreço para as oradoras que representaram a OHNE e que conduziram a sua apresentação sem slides, pois estes falharam. a OHNE preocupa-se com o ciclo menstrual das mulheres, em cada dia do mês.

 

para quem estava a acompanhar a hashtag no Twitter, certamente leu vários tweets de pessoas que aguardaram mais de 1h na fila para entrar ou até o tweet do Flávio Nunes, jornalista do ECO, que começou por fazer o seu trabalho sentado no chão.

a abertura é sempre um dos momentos mais procurados pelos participantes, pois o programa proporciona grandes nomes no alinhamento: este ano, Paddy Cosgrave anunciou a presença online de Edward Snowden.

 

o momento mais aguardado: Edward Snowden em palco

quando pesquisamos por whistleblower num dicionário deveríamos encontrar o nome de Edward Snowden. nesta sua entrevista, em directo da Rússia para o mundo, Snowden foi questionado sobre as razões que o levaram a falar com o público. e o que respondeu foi algo como isto: imagina que trabalhas na NSA, que segues as regras todas e tens um contexto familiar e profissional onde as regras são importantes; adiciona a isso o juramento solene que tens de fazer, quando ingressas na NSA, perante a Constituição do teu país. acontece que, perante este cenário, dás-te conta que, aquilo que a agência para a qual trabalhas faz, vai contra esse juramento solene que fizeste à Constituição. o que fazes? cumpres o juramento solene ou o NDA que assinas? para Snowden a resposta é: “o público tem o direito de saber”.

Snowden sublinha que hoje, em termos tecnológicos, já não se trata somente de escutar ou vigiar os bad guys, mas sim de nos vigiar a todos, em qualquer tempo e espaço. e isto levanta-nos uma questão de índole democrática: a lei parece não interessar, nem os direitos:

“What do you do, when the most powerful institutions in your society are the least accountable institutions to that society?”

questionado sobre o estado do debate que iniciou, há seis anos, Snowden refere que houve mudanças, mas que as pessoas se estão a zangar com as pessoas certas, ainda que pelas razões erradas. o modelo de negócio de empresas como a Google, Amazon ou Facebook é abusivo e esse é o cerne da questão: o abuso encontra-se legalizado. desta forma, o sistema torna a população vulnerável em benefício de uma minoria de privilegiados.

para o autor de Vigilância Massiva, o problema do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) começa na designação: falar em protecção implica que a sua recolha é feita de forma adequada. o problema não se encontra na protecção dos dados, mas sim na recolha dos mesmos. “everything leaks“, sublinhou Snowden.

a geração de Snowden e as que se vão seguir já não são proprietárias de coisa alguma: ter um telefone ligado, mesmo que não estejamos a usá-lo, permite que os dados sejam recolhidos. e os dados não são entidades abstractas, não são inofensivos, quando se trata de pessoas. e é desta forma que as pessoas são manipuladas e a razão para que isso aconteça reside no facto de nos pedirem para confiar em toda a gente, em todos os caminhos e atalhos por onde nos movemos. para Snowden, não podemos confiar nas empresas, nem nas comunicações. o modelo precisa de ser revisto e é necessário pensar de forma inversa: as empresas têm de fazer com que não seja necessário confiar nelas.

 

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o primeiro dia da conferência não terminou com Edward Snowden, é um facto; mas para mim foi mais do que suficiente para me obrigar a parar para pensar nas questões do uso da internet e da tecnologia e do poder que meia dúzia de gigantes têm nesse (ab)uso.

para continuar a seguir o que aconteceu na web summit, recomendo o live blogging dos jornalistas do ECO, bem como o follow à hashtag no Twitter.

 

(*) refiro-me a #websummit no feminino quando refiro conferência e no masculino quando refiro evento. 

 

📷 Web Summit 

 

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